sexta-feira, maio 25, 2012

PONTO FINAL - O seu programa de todas as Sextas-Feiras - 20 horas

A respeito de cidadão e cidadania
É enfadonho ler o que nos diz o dicionário, sobre o que significa cidadão ou até cidadania, bem sei, até porque palavras bem colocadas, muitas vezes, não querem dizer muita coisa.
Palavras se reduzem a ilustrações quando as atitudes é que falam.
Ser um cidadão é desempenhar seus deveres para o com o Estado, certo?
Sim, eu sei que estamos cheios dos direitos a reivindicar e, provavelmente, cobertos de razão quanto ao descaso do governo, dos políticos, do síndico, do pai, da mãe, da economia e dos muitos etecéteras que nos azedam o fígado todos os dias.
Mas hoje, resolvi falar dos deveres.
Não é um chamamento para uma passeata pela paz, nem um movimento pela não sonegação de impostos, contra a pirataria do Tropa de Elite ou mesmo um blábláblá sem fim da corrupção que assalta nossa pátria mãe tão distraída.
Isso, vamos deixar para quem acredita em grandes trajetos sem dar um passo. Ideologia, todo mundo quer uma pra viver e adora ver. Eu disse ver.
Falo de coisas mais simples, pequenas, quase bobocas, que passam desapercebidas pelos nossos envenenados fígados e pelo alto de nossos olhares de sabe-tudo, não fosse o meu, o seu, o nosso olhar estar literalmente fechado e duramente atacado por um guarda-chuvas indomável na calçada ali em frente.
Saber andar empunhando um guarda-chuvas, preocupando-se em não furar o olho alheio, é um passinho miúdo de cidadania. Ninguém quer que você se molhe, claro, mas não é preciso vazar o olho de ninguém para manter-se a seco.
Caminhar com sua família inteira -- inclua o cachorro, óbvio, nesse quadro afetivo e corriqueiro -- é maravilhoso para você, para mim e todos sabemos disso.
Mas, andar a passos lentos com todos enganchados na horizontal, obstrui um pouco o trânsito de pedestres e pode acreditar: ninguém precisa ser atropelado por andar no meio da rua, na contra mão do trânsito, para que você tenha seu momento familiar.
Não se espante, esse é um pequeno gesto de cidadania, quase nunca citado mas muito desconfortável quando acomete outros cidadãos que estão na mesma calçada que você.
Bater papo é uma delícia, quem não concorda?
Mas, dá pra bater papo longe das portas automáticas do shopping ou do hotel onde está hospedado seu amigo?
Porque os sensores das portas sinalizam sua presença, fazendo com que fiquem abertas gastando uma energia que o planeta tem tirado sabe lá Deus de onde, sem saber que você está apenas marcando um encontro pra ir naquela passeata contra o aquecimento global.
As mães e suas crianças tem prioridade em calçadas e locais públicos, todos sabemos disso.
Mas, é realmente necessário deixar o carrinho com o bebê de um lado e o carrinho com suas compras de outro, enquanto os demais consumidores não tem vez no estreito corredor do supermercado?
Na sua hora e vez no caixa do banco, você não pode ter sua conta a ser paga em mãos, ao invés de deixar a fila toda esperando enquanto você procura que procura a fatura de luz, numa bolsa que contém no mínimo um milheiro de papéis e outros objetos não identificados?
Cidadania amigos leitores! É desempenhar seus deveres para com o Estado e o Estado é um monte de "outros". Simples, indolor e eficiente quando se trata de vida em grupo.
Respeitar os sinais de trânsito esteja você de carro ou a pé.
Aquele velho discurso de desligar celular no cinema, teatro e outros locais públicos, está valendo, é cidadania sim, infelizmente pra muita gente.
Não atirar guimbas de cigarro, papéis e outras coisinhas no chão.
Dizer bom dia, por favor e obrigada!
O que deveria ser obrigatório por lei, com multa e tudo mais. Assim como exigir o troco que lhe é devido com educação e tranqüilidade.
Exigir seus direitos não é armar barraco.
O barraco já está armado e lhe ofendendo muito! quando você se cala e não exige o que é seu direito como cidadão e de exercer a sua cidadania.
Não é necessário gritar ou ser grosseiro para dizer "eu sou cidadão".
Basta ser firme.
E bem educado, claro.
A boa educação, aliás, é uma arma desestabilizadora da lei da vantagem e da malandragem.
E sorrisos.
Cidadania sem sorriso e boa educação é hipocrisia.
Ah, esses são verdadeiros antídotos contra gente mal educada e sem noção. Sorrisos e educação são verdadeiros aliados no seu, no nosso exercício de cidadania.
Boa noite e acreditem, estou sorrindo.
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NOSSO VOTO na eleição
Você já deve ter ouvido algum cientista político dizer que não há mais espaço para o chamado voto de opinião, que teria perdido espaço para o voto corporativo e para o voto de liderança, sem falar nas celebridades e nos cacarecos que a cada eleição são usados pelos partidos para desempenhar vergonhoso papel de meros puxadores de votos.
O voto em celebridades e cacarecos já é nosso conhecido. Sabemos que prejudica não só seus próprios eleitores, como a sociedade, pois quase sempre os eleitos nessa modalidade cumprem seu único mandato sendo massa de manobra dos donos dos partidos, velhas raposas de guerra. Nesse caso, ao contrário do que foi alardeado na última campanha, pior do que está pode sempre ficar. E tem ficado.
Já o voto corporativo é o obtido via apoio de determinadas entidades, notadamente sindicatos e igrejas, que se valem de isenções fiscais e benefícios legais de toda sorte para despejar recursos quase inesgotáveis em beneficio dos que, sendo eleitos pelo esquema, por ele trabalharão por todo o seu mandato.
E voto de liderança, o que será?
Nada mais é que mero eufemismo para designar a moderna versão da velha compra de votos.
Explicando melhor: na sua modalidade mais ortodoxa, o suado dinheirinho dos nossos impostos é usado em convênios, emendas e repasses para comprar votos de entidades cujos líderes foram escolhidos a dedo para serem cabos eleitorais dos seus padrinhos políticos.
Gostou? Tem mais.
Na modalidade mais heterodoxa do voto de liderança, ou seja, dinheiro vivo em troca de voto, enormes quantias são cuidadosamente canalizadas para lideranças que exercem influência sobre um grupo determinado de pessoas, como donos de escolas de samba, presidentes de associações de bairro, líderes de pequenas igrejas, etc.
É bem verdade que, ao menos em São Paulo, quase não há dinheiro dado ao eleitor diretamente, mas à liderança que sugere ao liderado em quem votar a cada eleição.
O volume de recursos exigido para essa modalidade de voto é assustador, e sempre obtido e distribuído "por fora".
Pois bem, e o voto de opinião, onde fica diante disso tudo?
Será que já não há espaço para o candidato que faz campanha exclusivamente com base na defesa de princípios e valores, sem comprar votos ou se prestar a ser lobista de grupos específicos?
Para que haja voto de opinião é preciso, antes de tudo, que haja alguma opinião.
Que existam políticos que se arrisquem a ter efetivamente uma opinião, defendendo-a de maneira coerente e continuada, sem se deixarem levar pelas pesquisas ou tendências do momento apenas para amealharem votos de forma oportunista.
A política está repleta de políticos guarda-chuva, que buscam votos em todas as correntes de pensamento, sem se preocuparem em manter alguma consistência de ideias e propostas.
O importante é se elegerem.
O que eles vão fazer no dia seguinte não importa.
Não assumem posição sobre nada.
Não têm opinião definida sobre nenhum assunto que a mídia já não os tenha pautado e não se importam em mudar totalmente de direção se as conveniências do momento assim o exigirem.
O patrulhamento ideológico e a ditadura do politicamente correto também não contribuem para que mais políticos se arrisquem a ter alguma opinião, sobretudo polêmica.
Sabem que, ao tomarem posição, serão alvo de ataques raivosos, e sobre estes terão de se manifestar.
Você mesmo, caro leitor, que já ousou defender alguma opinião diferente da média, deve ter sentido na pele como é difícil fazê-lo.
É preciso ter coragem para assumir uma posição hoje em dia. Ter coragem de não ser como a folha morta ao vento, que se deixa levar cada hora para um rumo diferente.
Coragem para defender posições firmes e claras, de forma impessoal e fundamentada, sob pena de estar sempre sujeito aos oportunismos de alianças e acordos políticos, cada vez mais espúrios, dissimulados e venais.
A falta de opinião, a incoerência e a covardia dos políticos "gelatinosos" acabam por amortecer o espírito e a capacidade de indignação do eleitor, que, sucumbindo ao pensamento de que são todos iguais, já não se importa em votar com qualidade.
Vota-se no "menos pior", pois, em tese, são todos a mesma coisa.
Ter opinião e defendê-la, com coerência e transparência, também significa, em alguma medida, aceitar a perda de votos.
Se um político não aceita perder votos, ou não concebe como parte do jogo democrático a hipótese de perder uma eleição, para preservar a dignidade e a coerência, já está a meio caminho andado para reinar no campo da indefinição e da demagogia.
Por outro lado, a consistência e a coerência da opinião do político serão sempre balizadas por seu comportamento.
Pela compatibilização da retórica com a prática. Pela capacidade de se posicionar e por vezes contrariar corporativismos, até mesmo de seu próprio partido.
De contrariar o senso comum quando este for contrario às suas convicções pessoais.
De prezar a boa conduta, sem se descuidar da qualidade e da credibilidade da sua opinião.
O compromisso do candidato de opinião deve ser sempre o de agir em conformidade com os valores que alega defender, sob pena de, a cada novo desafio, achar desculpa ou pretexto para transigir ou mudar.
Como mostra o recente filme sobre Margaret Thatcher, há momentos em que a intransigência é uma virtude, a melhor virtude, e o triste quadro político atual demanda uma atitude intransigente na defesa de princípios e valores.
A sociedade ressente-se da escassez de verdadeiros líderes, que se comportem como homens de Estado, sejam capazes de inspirar, empolgar e conduzir os seus eleitores para determinada direção propositalmente escolhida. Sem isso não há realmente espaço para o voto de opinião.
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Hoje voltamos á carga com o item AGROTÓXICOS.
É o público que está sendo solicitado a assumir os riscos que os controladores de insetos calculam. (…)
A obrigação de tolerar, de suportar, dá-nos o direito de saber.
A matéria “A verdade sobre os agrotóxicos”, publicada em Veja (edição de 4/1/2012), revisita um tema que é alvo de polêmicas, oposições apaixonadas e amplas discussões no Brasil desde os anos 1970.
No entanto, apesar de décadas de controvérsia, já no título, a revista demonstra que pretende revelar a verdade sobre o assunto.
A Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), em carta-resposta à Veja, considerou o tratamento dado a um tema tão controverso como “parcial e tendencioso”, apontando uma série de equívocos na reportagem.
Em Primavera Silenciosa, o primeiro alerta mundial contra os pesticidas, publicado em 1962, Rachel Carson descreveu diversos casos de nos Estados Unidos, nos anos 1950-60, quando morreram enormes quantidades de pássaros, peixes, animais selvagens e domésticos.
As pulverizações para exterminar supostas “pragas” também contaminaram as águas de rios, córregos, dos oceanos, os solos e os humanos.
Carson já constatava, há 50 anos, que a questão dos resíduos químicos nos alimentos era tema de ardorosos debates.
A existência de resíduos ou era desprezada pela indústria, que a considerava sem importância, ou era francamente negada.
No entanto, pesquisas comprovavam, já naquela época a associação da presença do DDT no corpo humano com a alimentação, ao analisar gordura humana e amostras de alimentos em restaurantes e refeitórios.
Para a revista, “agrotóxico” é termo carregado de julgamento valor; já “defensivos” seria correto, porque tais produtos serviriam para “defender” a plantação das pragas, insetos, parasitas…
Motivada pela divulgação, em dezembro de 2011, de um estudo sobre contaminação de alimentos por pesticidas promovido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) referente ao ano de 2010, a reportagem da Veja começa questionando o uso da palavra “agrotóxico”: o “nome certo é defensivo agrícola”.
Segundo a matéria, “agrotóxico” é um termo impreciso e carregado de julgamento valor; já “defensivos” seria correto, porque esses produtos não servem para intoxicar o ambiente ou o consumidor, mas para “defender” a plantação das pragas, insetos e parasitas.
Esse debate é antigo, construído ao longo de uma verdadeira contenda, que foi protagonizada por ecologistas, políticos e representantes das indústrias agroquímicas, desde os anos 1970.
A própria nominação dos agroquímicos determinava de que “lado” estava quem nomeava: de um lado, executivos das indústrias fabricantes que, obviamente, queriam vender seus produtos; pesquisadores que recebiam financiamento dessas empresas para suas pesquisas e funcionários públicos, todos trabalhando para “defender” seus interesses.
Do outro lado, entidades ambientalistas de vários estados, professores universitários e pesquisadores preocupados com o efeito desses produtos na saúde das pessoas e da natureza.
O termo “agrotóxico”, mais do que portar um juízo de valor, está consolidado na legislação brasileira sobre o tema, a Lei 7.802/89.
A palavra já estava presente na primeira legislação estadual, a Lei 7.747, publicada no Rio Grande do Sul, em dezembro de 1982, fruto de um amplo debate liderado por políticos, pesquisadores e ecologistas.
O ecologista José Lutzenberger considerou a publicação dessa lei uma “vitória sem precedentes”, uma conquista da sociedade civil, inédita em diversos países. Por outro lado, o termo “defensivos agrícolas” também não é isento de valor: expressa que essas substâncias são boas, defendem a lavoura de pragas.
No entanto, o próprio conceito do que pode ser considerado praga é questionável, depende do ponto de vista de quem está observando uma plantação.
O que é praga na agricultura que usa produtos químicos pode ser um aliado no controle natural de insetos realmente prejudiciais, e até mesmo um indicador da saúde das plantas para quem pratica agricultura ecológica.
O interessante é que, apesar de afirmar que o certo é “defensivo agrícola”, as jornalistas usam, em trechos da reportagem, o termo agrotóxico – não como citação de outra fonte, o que é uma contradição.
A matéria da Veja afirma que apenas uma parte muito pequena das amostras analisadas pela Anvisa continha agrotóxicos acima do permitido.
Mais ainda, que os motivos dessa ocorrência envolvem os agricultores: ou eles aplicaram doses acima do indicado, ou desrespeitaram o período de carência. A estratégia de culpar o agricultor também data de bastante tempo.
Desde os anos 1970, o problema, para os defensores da química na agricultura, nunca é o produto, mas sim, o agricultor, como se a toxicidade só dependesse do uso e não dos componentes utilizados na fabricação.
A propaganda de agrotóxicos, em geral, anunciava cada novo pesticida como “mais eficaz” no combate às pragas, mais eficiente que o anterior, só que, muitas vezes, não dizia que era também mais venenoso.
Mas a verdadeira avalanche de casos de intoxicação de agricultores parece demonstrar que esses produtos são muito perigosos. Até porque, se não fossem, não haveria necessidade do desenho de caveiras em seus rótulos.
A matéria da Veja faz afirmações de forma leviana e irresponsável para a população leiga no assunto, passando a impressão que os agrotóxicos não são tão perigosos assim.
Ela diz que os alimentos que lideram o ranking da Anvisa de forma alguma representariam risco à saúde, que os resíduos estão dentro dos níveis seguros e que o uso de agrotóxicos não-autorizados não é prejudicial à saúde.
Neste último caso, a justificativa seria o alto custo para os fabricantes alterarem os rótulos, indicando outros cultivos onde os pesticidas poderiam ser utilizados. Aqui, podemos perceber mais uma vez que os interesses das empresas sempre são relevantes e merecem ser preservados.
No entanto, a reportagem se contradiz – novamente – declarando que os resíduos de agrotóxicos não podem ser removidos dos alimentos com água, ou qualquer outra substância, já que o veneno penetra na polpa do alimento ou circula pela seiva da planta.
Essa afirmação é um “tiro no pé”, muito negativa para quem quer defender os “defensivos”, e reforça o argumento de quem luta contra os agrotóxicos: um dos maiores problemas é a manutenção dos pesticidas no ambiente, por muito tempo; dependendo do produto, pode levar anos ou décadas para desintegrar-se, como é o caso bastante conhecido do DDT.
Aliás, a matéria relata que, se o agricultor seguir a bula corretamente, “o produto sofrerá degradação natural com a ação dos raios solares, da chuva e de microorganismos”.
Segundo a ABA, isso é uma inverdade: “as consequências ambientais e para a saúde, em função de uma aplicação que deixou resíduos, podem permanecer por muito tempo”.
São casos de bebês que adoeceram por causa do leite;
Crianças mortas ao ingerirem água contaminada; agricultores fulminados em pulverizações aéreas, entre inúmeros muitos outros
Segundo a matéria da Veja, só há riscos à saúde do agricultor quando ele não respeita as regras de uso, já que os equipamentos de segurança o protegeriam do contato com o veneno.
No entanto, nem sempre o agricultor tem acesso a esses equipamentos ou à informação de como utilizá-los corretamente. Além disso, há muitos casos de intoxicação que independem do seu uso.
Consultando os arquivos dos jornais de maior circulação do país, é possível constatar uma quantidade impressionante de notícias sobre envenenamento e morte de agricultores, cuja causa envolveu a aplicação de produtos químicos na lavoura.
Há períodos em que as ocorrências são diárias, envolvendo famílias inteiras, em cidades do interior do Brasil.
Casos de jovens que dormiram durante meses, sem perspectiva de acordar, depois do contato com agrotóxicos; bebês que ficaram doentes por causa do leite, já que a vaca que o fornecia comeu pasto contaminado com pesticidas; crianças que morreram pela ingestão de água contaminada; agricultores fulminados durante pulverizações aéreas sem aviso prévio, entre outros, são exemplos nefastos de que o equipamento não é garantia de segurança total.
Artigo da Gazeta Mercantil (Porto Alegre, 28/05/1975) relata que o consumo de pesticidas no Brasil aumentou dez vezes entre 1964 e 1974 e questiona: “em que medida esse consumo teria sido fortemente incentivado, provocando o uso indiscriminado e exagerado de defensivos?”
Se por volta de 1974 o consumo somava cerca de 74 mil toneladas anuais, o que dizer das cerca de 1 milhão toneladas em 2010 (de acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola)?
O estímulo ao uso intensivo desses produtos interessa aos fabricantes, pelos altíssimos ganhos, mas, ao mesmo tempo, provoca prejuízos não totalmente contabilizados ao ambiente e à vida humana.
Também segundo a reportagem da Veja, não haveria comprovação científica de que o consumo a longo prazo de resíduos de pesticidas nos alimentos provoque problemas sérios em seres humanos.
Essa constatação demonstra um profundo desconhecimento da literatura científica sobre os efeitos desses produtos na saúde humana.
Em relatório de 2012, elaborado pelo Instituto Nacional do Câncer, José de Alencar Gomes da Silva (Inca) consta que “importantes compostos cancerígenos encontram-se entre os metais pesados, os agrotóxicos, os solventes e as poeiras”. Além da população rural, que fica mais exposta pelo manuseio desses produtos, “toda a população pode ter contato com agrotóxicos, seja pela ocupação, pela alimentação ou pelo ambiente”.
Substâncias como o DDT, clordane e lindane são promotoras de tumores. O relatório cita uma extensa bibliografia de estudos que relacionam, entre outros agentes, agrotóxicos e câncer.
Cientistas da Universidade de Caen, na França, que pesquisam há anos os efeitos dos herbicidas à base de glifosato (recordistas de vendas no Brasil), descobriram que eles contêm toxicidade que afeta diretamente as células humanas.
Em artigos científicos recentes, os pesquisadores afirmaram que mesmo pequenos resíduos que ficam nos alimentos podem causar danos, especialmente ao rim humano.
Artigo de professora da USP (Larissa Bombardi, 2011) afirma, a partir de dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – Ministério da Saúde/Fiocruz (Sinitox), que no período de 1999 a 2009 ocorreram cerca de 62 mil intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola no Brasil.
No entanto conhecendo-se um pouco a revista BEJA, será fácil deduzir porque defende os agrotóxicos.
ONU atesta que o Brasil é principal destino de agrotóxicos proibidos.
Sem qualquer base, Veja sustenta que somos
“um dos países mais rigorosos” no registro desses produtos

Outra informação da matéria da Veja é que “o Brasil é um dos países mais rigorosos no registro de agrotóxicos”.
No entanto, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), nosso país é o principal destino de agrotóxicos proibidos no exterior.
Diversos produtos vedados nos Estados Unidos e na Europa são comercializados livremente aqui. Se o controle fosse mesmo rigoroso, o Brasil seria o maior consumidor mundial de agrotóxicos?
Encaminhando-se para o final, a reportagem põe em dúvida a credibilidade dos alimentos orgânicos, aqueles que são cultivados sem agrotóxicos.
Ela questiona as regras para credenciamento e fiscalização: com um controle insuficiente, haveria riscos à saúde da população no consumo de alimentos orgânicos.
Citando o caso de contaminação por Escherichia coli, ocorrido em junho de 2011, na Alemanha, em que pessoas morreram ao consumir brotos de feijão germinados produzidos por uma fazenda orgânica, a matéria da Veja conclui que “não só por ser orgânico um produto é necessária e automaticamente mais saudável que o similar cultivado com o auxílio de defensivos”.
Sem diminuir a gravidade das mortes ocorridas na Alemanha, é muito precipitado afirmar que não haveria diferença de risco no consumo de alimentos orgânicos ou não-orgânicos.
Esse foi um caso isolado, que poderia ter ocorrido mesmo se a produção não fosse orgânica, afinal, é possível garantir que a fiscalização dos alimentos que usam produtos tóxicos seja eficiente?
A humanidade viveu milênios praticando agricultura sem venenos. Só após a segunda guerra mundial o uso da química na lavoura passou a ser recomendado como a melhor solução para o combate das “pragas” e para acabar com a fome no mundo – o que não ocorreu: os insetos ficaram resistentes aos venenos e há muitas pessoas passando fome ainda no século 21.
A chamada “Revolução Verde” introduziu técnicas alardeadas como “modernas” (cultivo intensivo do solo, monocultura, irrigação, controle químico de pragas e manipulação genética de plantas), mas que geram dependência dos agricultores em relação às empresas que vendem os insumos vinculados a esse tipo de agricultura.
A produção de alimentos orgânicos, através de métodos agroecológicos, não interessa às grandes empresas que controlam o agronegócio no Brasil. Os orgânicos não dependem da compra de sementes (geneticamente modificadas ou não) ou da compra de agrotóxicos.
Na agricultura ecológica, ou orgânica, o agricultor é autônomo, controla sua semente e seus próprios insumos, entre eles, matéria orgânica (compostagem, folhas de árvores, resíduos industriais, estrume, etc).
O que a agricultura convencional considera como praga (insetos, fungos), ou erva daninha que deve ser exterminada pelos agrotóxicos, na agricultura ecológica é um sintoma, indicador da saúde da planta e do solo.
Cabe ao consumidor ficar atento ao debate, sua história e aos interesses por trás dele.
Como já dizia Rachel Carson em 1962, nós temos o direito de saber.
No mínimo
No livro Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos, o engenheiro agrônomo francês Francis Chaboussou divulgou a “teoria da trofobiose”.
Após anos de pesquisa, ele concluiu que o uso continuado de agrotóxicos adoece as plantas. E somente as plantas doentes, em desequilíbrio metabólico, são atacadas pelos parasitas.
A planta equilibrada em crescimento vigoroso ou em descanso não é nutritiva para as pragas.
Na verdade, na agricultura ecológica, a propriedade rural é pensada como um agroecossistema, em que a observação das interações que ocorrem no ambiente é vital. Solo nutrido, planta saudável.
Inseridos na diversidade de espécies da propriedade agrícola, os alimentos orgânicos tendem a ser muito mais saudáveis que os não-orgânicos.
Em abril de 2012, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou a primeira parte de um dossiê sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde.
Escrito por professores universitários e pesquisadores com larga experiência no assunto, o dossiê externa a preocupação desses profissionais com a escalada ascendente de uso de agrotóxicos no Brasil e a contaminação do ambiente e das pessoas dela resultante, com severos impactos sobre a saúde pública.
O relatório cita exemplos de cidades onde ocorre a contaminação das águas, no Ceará e em Mato Grosso, com destaque para Lucas do Rio Verde (MT), onde “chuvas de agrotóxicos”, ou seja, pulverizações aéreas indiscriminadas causaram surto de intoxicações agudas em crianças e idosos, bem como contaminação do leite materno.
Como as bases cientificas que sustentam o uso dos agrotóxicos são frágeis (“deveria caber às empresas demonstrar com rigor que não são nocivos para a saúde humana ou para o meio ambiente”), os pesquisadores questionam: “É lícito manter os agrotóxicos em uso na agricultura nesse contexto?”
Além disso, os inúmeros casos de contaminações de trabalhadores e população em geral, desde os anos 1970 até hoje, oneram o SUS, custando muitos milhões aos cofres públicos.
Como podemos perceber, a “verdade sobre os agrotóxicos” está bem longe de ser alcançada.
O debate está polarizado: de um lado, as indústrias e os comerciantes, a quem interessa divulgar que os “defensivos” não causam danos à saúde humana; do outro, profissionais da área da saúde engajados na posição de que os agrotóxicos fazem sim muito mal aos humanos e aos ecossistemas onde são aplicados.
A preocupação aumenta na mesma medida que o consumo desses produtos no Brasil, que desde 2008 carrega o título nada honrável de maior comprador de agrotóxicos do mundo.
Cabe ao consumidor ficar atento ao debate, à história e aos interesses por trás dele.
Afinal, como já dizia Rachel Carson lá em 1962, nós temos o direito de saber.
No mínimo.
CASOS e FACTOS
Há cinco anos, Lucas do Rio Verde, município de Mato Grosso, foi vítima de um acidente ampliado de contaminação tóxica por pulverização aérea.
Wanderlei Pignati, médico e doutor na área de toxicologia, fez parte da equipe de perícia no local. Apesar de inconclusiva, ela revelava índices preocupantes de contaminação.
Em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Pignati passou então a dirigir suas pesquisas à região Centro-Oeste. Professor na Universidade Federal do Mato Grosso, há dez anos ele estuda os impactos do agronegócio na saúde coletiva.
É o estado onde mais se aplica agrotóxicos e fertilizantes químicos no Brasil, país campeão no consumo mundial dessas substâncias.
Pignati alerta que três grandes bacias hidrográficas se localizam no Mato Grosso, portanto quando se mexe com agrotóxico no estado, a contaminação da água produz impacto enorme.
O projeto de pesquisa coordenado por Pignati tem o compromisso de levar às populações afetadas os dados levantados e os diagnósticos.
Para ele, é fundamental promover um movimento social de vigilância sanitária e ambiental que envolva não só entidades do governo, mas a sociedade civil organizada e participativa.
Diferentemente da União Européia, aqui a legislação não acompanha a produção de conhecimento científico acerca do tema.
Segundo Pignati, a legislação nacional, permissiva demais, limita a poluição das indústrias urbanas e rurais, enquanto paralelamente a legaliza.
As portarias de potabilidade da água, por exemplo, ampliaram cada vez mais o limite de resíduos tóxicos na água que bebemos. E na revisão da portaria que está prestes a acontecer, pretende-se ampliar ainda mais.
Pignati condena a campanha nacional em prol do álcool e do biodiesel, energias que considera altamente prejudiciais e poluentes para o país que as produz: “Se engendrou toda uma campanha para dizer que o biodiesel viria da mamona, do girassol, de produtos que incentivariam a agricultura familiar, mas é mentira, vem quase tudo do óleo de soja”.
Assim como a pesquisadora cearense Raquel Rigotto, Pignati também questiona a confiabilidade do “uso seguro dos agrotóxicos”, um aparato de normas e procedimentos que mesmo se contasse com estrutura para seu funcionamento ideal, ainda assim não garantiria o manejo absolutamente seguro dos venenos.
Para Pignati, a falta de investimento na vigilância à saúde e ao ambiente no Brasil é uma questão de prioridade: “Tem muito dinheiro para vigilância, mas não para o homem. Existe um verdadeiro SUS que cuida de soja e gado, produtos para exportação”.
Faz mais de dez anos que pesquisamos os impactos do agronegócio ao homem e ao ambiente.
Na safra de 2009 pra 2010, Mato Grosso usou 105 milhões de litros de agrotóxico.
O Brasil usou 900 milhões, quase 1 bilhão de litros de agrotóxicos.
É o maior consumidor do mundo.
E Lucas do Rio Verde usou 5 milhões em 2009.
Aonde vai parar esse volume todo? É isso o que temos pesquisado.
Estudamos a contaminação das águas e para isso a gente trabalha com bacias. No Mato Grosso, você tem várias bacias. A bacia do Pantanal, que é do rio Paraguai e nasce aqui no estado.
Tem a bacia do Araguaia, uma de suas grandes nascentes é o rio Morto, aqui em Campo Verde. E a bacia do Amazonas em Lucas do Rio Verde, cujas nascentes são os rios Verde e Teles Pires.
Portanto, quando você mexe com agrotóxico e fertilizante químico no Mato Grosso, está mexendo com as três grandes bacias do Brasil: a do Araguaia, a Amazônica e a do Pantanal.
A bacia do Pantanal é uma questão mais séria ainda porque ela vai atingir outros países, como Paraguai, Argentina e Uruguai. Tem três grandes bacias e três biomas no estado: o pantanal, o cerrado e a floresta.
As nascentes dos rios dessas bacias estão dentro das plantações de soja. É o mesmo caso da bacia do Xingu, o maior parque índigena do Brasil.
As suas nascentes estão nos municípios em volta, onde está cheio de plantação de soja, de milho e algodão. Queriam implantar mais uma série de usinas de açúcar e álcool no entorno do pantanal, mas veio um decreto do presidente proibindo.
O agronegócio não respeita essa questão das bacias e nem das nascentes dos rios. Essa problemática é o que estudamos.
Em Lucas do Rio Verde, em 2006, houve um acidente agudo que saiu na mídia. Na mídia daqui, saiu pouco porque é muito comprometida com quem a paga, que na época era o governador Blairo Maggi.
Ele tem a mídia sob controle.
Na época, estavam dissecando soja em torno das plantações, que se estendem até a beira da cidade.
Planta-se e pulveriza-se com trator ou com avião.
Em Lucas, pulverizava-se a soja transgênica, que é muito pior para o ambiente do que a soja normal.
CONSEQUENCIAS
A pesquisadora Danielly Palma apresentou sua tese em Cuiabá, Mato Grosso sobre a contaminação do leite materno.
A ela coube pesquisar o impacto dos agrotóxicos em mães que estavam amamentando na cidade de Lucas do Rio Verde. A seguir, o relato:
Lucas do Rio Verde é um dos maiores produtores de grãos do Mato Grosso, estado vitrine do agronegócio no Brasil.
Apesar de apresentar alto IDH (índice de desenvolvimento humano), a exposição de um morador a agrotóxicos no município durante um ano é de aproximadamente 136 litros por habitante, quase 45 vezes maior que a média nacional — de 3,66 litros.
Desde 2006, ano em que ocorreu um acidente por pulverização aérea que contaminou toda a cidade, Lucas do Rio Verde passou a fazer parte de um projeto de pesquisa coordenado pelo médico e doutor em toxicologia, Wanderlei Pignatti, em parceria com a Fiocruz.
A pesquisa avaliou os resíduos de agrotóxicos em amostras de água de chuva, de poços artesianos, de sangue e urina humanos, de anfíbios, e do leite materno de 62 mães.
A pesquisa referente às mães coube à mestranda da Universidade Federal do Mato Grosso, Danielly Palma.
A pesquisa revelou que 100% das amostras indicam a contaminação do leite por pelo menos um agrotóxico.
Em todas as mães foram encontrados resíduos de DDE, um metabólico do DDT, agrotóxico proibido no Brasil há mais de dez anos.
Dos resíduos encontrados, a maioria é organoclorados, substâncias de alta toxicidade, capacidade de dispersão e resistência tanto no ambiente quanto no corpo humano.

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