Entre os muitos inconvenientes
da concentração privada dos meios de comunicação no Brasil, o maior deles,
talvez, é o de as empresas com direito ao exercício de uma função dessa
relevância, com poder decisivo de formar ou deformar opiniões e idéias de todo
um povo, confundirem concessão pública e liberdade de expressão com licença
para publicar o que bem entendem.
Uma simples comparação de
disposições da nossa Constituição Federal, no capítulo por ela reservado à
comunicação social (artigos 220 a 224), com a realidade vivida agora no país, é
grande a distância entre a sua pretensão de fazer valer o direito do povo ser
bem informado com as versões correntes na mídia sobre essa realidade. As/os
nossas/os leitoras/es podem fazer um juízo crítico sobre isso, lendo algumas
daquelas disposições.
Sobre o poder privado de manipulação
da notícia, por exemplo, o art. 220, parágrafo 5º da Constituição determina:
“Os meios de comunicação social
não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
Qual a chance de um comando como
esse alcançar efeito prático, sabendo-se que grande parte de agentes políticos
brasileiros, com poder para decidir, a respeito, é titular de direito de
explorar rádio e TV, revista e jornal? quando um determinado patrocinador de
publicidade paga a um meio de comunicação social incorre em um determinado
ilícito civil ou penal, esse meio não se sente em nada tolhido para divulgar o
fato? Mas afinal, a liberdade de expressão, prevista também no inciso IX do
art. 5º da Constituição, faculta até não divulgar fato que o povo tem direito de
conhecer?
Sobre o conteúdo das
programações de rádio e TV determina o art. 221 da mesma nossa Constituição:
Art. 221. A produção e a
programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes
princípios:
I - preferência a finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura
nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua
divulgação;
III - regionalização da produção
cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos
e sociais da pessoa e da família.
Lendo só o inciso IV deste
artigo, alguém consegue identificar algum dos seus efeitos em programas de TV
como o do BBB da Rede Globo, ou o do Ratinho no SBT?
Mesmo que nenhum tipo de divulgação
de notícia possa ser garantido antecipadamente como imune a abuso, o Forum
Social de Tunis deste ano procurou mostrar os prejuízos que a sociedade sofre
quando a comunicação social é distorcida, manipulada ou mentirosa, justamente
quando nenhuma possibilidade de controle independente e responsável é exercido
sobre ela.
Segundo informa Ana Cristina
Campos, da Agência Brasil, em nota disponível na internet, o Forum assinou, no
dia 28 de março passado, uma “Carta mundial da mídia livre, com princípios e
ações estratégicas para promover uma comunicação democrática em todo mundo”.
“Entre as prioridades
estabelecidas no documento estão o desenvolvimento de marcos democráticos de
regulação da comunicação, por meio de órgãos independentes, o apoio aos meios
de comunicação comunitários e a independência da mídia pública em relação ao
governo e ao mercado.” (...) “A carta também defende a governança democrática
da internet, incluindo a garantia de neutralidade da rede, o direito à vida
privada e à liberdade de expressão, além da universalização do acesso aos meios
de comunicação e à internet banda larga.”
“Uma comunicação democrática em
todo o mundo”, “o desenvolvimento de marcos democráticos de regulação da
comunicação por meio de órgãos independentes” (...) “em relação ao governo e ao
mercado” “a governança democrática da internet”, “o apoio aos meios de
comunicação comunitários”, são elementos indispensáveis, salvo melhor juízo, de
garantia da responsabilidade inerente à liberdade de expressão sem a qual essa
vai continuar confundindo tudo isso com censura, como grande parte da mídia do
país tenta convencer o seu (!?) público.
Comprovação desse fato aparece
em estudo extraordinariamente lúcido e abrangente da mídia (“Mídia e
democracia” de Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz, Porto Alegre: Evangraf Ltda.
2005), mostrando como a falta de qualquer limite à liberdade de expressão
transforma a mídia numa ditadura deseducadora. Lembrando Ignacio Ramonet sobre
os telejornais, por exemplo, reconhecidamente um dos veículos mais acessados
pelo povo, pode-se ler aí o seguinte:
“... o telejornal em seu
fascínio pelo espetáculo do evento, desconceitualizou a informação, imergindo-a
novamente, pouco a pouco, no lodaçal do patético. Insidiosamente, estabeleceu
uma espécie de nova equação informacional que pode ser formulada desta
maneira:”Se a emoção que vocês sentem ao ver o telejornal é verdadeira, a
informação é verdadeira.”
Os autores acrescentam:
“No capitalismo, no negócio da
mídia, o nó central é a imagem. Tudo passa por ela. Trata-se da fabricação da
imagem da mercadoria e não da mercadoria. Por isso, os conglomerados da mídia
são obstáculos para o cidadão ter a informação. O que interessa é o
entretenimento, a aquisição dos produtos fabricados pelos donos do capital. A lógica
é vender/comprar o olhar do leitor ou telespectador, não é informar.”
Comunicar, portanto, como a
própria palavra indica, é tornar comum uma determinada verdade. Presa de
interesses como os denunciados pelo Forum Social Mundial de 2015, em Tunis, e por
críticos como Guareschi e Biz, sendo vítima conhecida de um oligopólio de fato
e inconstitucional, como é o da maioria da nossa mídia mais influente e
poderosa, a verdade tem pouca ou nenhuma chance de ser revelada.
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