Governos tiveram pouco ou nenhum êxito em democratizar
comunicação’, diz relator da OEA em evento da ONU
Atualizado em 10/08/2015
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Relator especial para a Liberdade de Expressão da OEA,
Edison Lanza participou de mesa-redonda no Sindicato dos Jornalistas do Rio de
Janeiro e destacou experiências globais que buscam regular a mídia ao mesmo
tempo em que defendem e ampliam a liberdade de expressão. Encontro foi
promovido pela ONU, Coletivo Intervozes e IESP/UERJ.
“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e
expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões
e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras.”
Foi dessa forma – lembrando a centralidade da comunicação
para a democracia ao citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) – que o diretor do Centro de Informação da ONU para o Brasil
(UNIC Rio), Giancarlo Summa, abriu um evento realizado nesta quinta-feira (6)
no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. O objetivo foi debater a regulação
da mídia e a liberdade de expressão no Brasil, traçando um paralelo com a
situação nas Américas.
A mesa-redonda, “O papel da regulação da mídia na liberdade
de expressão”, contou com a participação do relator especial para a Liberdade
de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos (OEA), Edison Lanza, e da professora da Escola de
Comunicação da UFRJ, Suzy dos Santos. O evento foi promovido pelo UNIC Rio,
pelo Coletivo Intervozes e pelo Instituto de Estudos Socais e Políticos (IESP)
da UERJ, com apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do
Rio de Janeiro.
A presidente do Sindicato, Paula Máiran, deu início ao
evento e destacou a necessidade de continuar o debate nos diversos desafios que
se colocam para a categoria de jornalistas, como o oligopólio da mídia, as
pressões econômicas contra os profissionais e as práticas antissindicais das
empresas. “Ao avançar neste tema, precisamos nos perguntar: qual liberdade de
expressão?”, questionou Máiran.
Segundo Summa, não existe atualmente no Brasil uma
democracia ampla no que diz respeito à liberdade de expressão: “A liberdade de
expressão é um direito humano e não significa somente ausência de censura, mas
também a diversidade de ideias e jornalistas trabalhando sem ameaças econômicas
ou, até mesmo, contra sua integridade física”. Ele lembrou também sobre as
crescentes ameaças de violência policial contra jornalistas e outros
comunicadores, conforme destacado em relatórios do governo e de organizações
não governamentais como a “Artigo 19”.
Para conter o problema, Summa lembrou que a ONU participou
de uma iniciativa conjunta com o governo federal e com a sociedade civil
brasileira para criar o Observatório da Violência contra Comunicadores. A criação
do Observatório foi uma das propostas apresentadas por um Grupo de Trabalho
criado no âmbito do Conselho Nacional de Direitos Humanos para discutir a
violência contra jornalistas e demais comunicadores. O Grupo encerrou seus
trabalhos em 2014, mas até o momento o Observatório ainda não havia sido
criado.
Processo de formação de sistemas de comunicação explica
quadro atual, diz relator da OEA
O relator da OEA fez um paralelo entre os processos de
criação de sistemas de comunicação na Europa, nos Estados Unidos e na América
Latina. Segundo Lanza, o sistema europeu foi caracterizado por um setor público
forte, com credibilidade e relativamente “blindado” da ação dos governos. Como
exemplo, citou o caso da TV pública sueca, que segundo ele é a instituição com
a maior credibilidade nacional, superando o próprio Parlamento.
O modelo dos EUA, por outro lado, foi constituído por um
sistema público também forte, embora com menos força que o europeu, e um
sistema privado com maior presença que o público. Lanza destacou, no entanto, a
importância do órgão regulador norte-americano – a Comissão Federal de
Comunicações (FCC, na sigla em inglês) –, que segundo o relator é um órgão
independente e com uma regulação muito forte. “É o que mantém o contínuo apoio
à produção nacional para a televisão, e não é à toa que as séries
norte-americanas são tão difundidas no mundo todo”, apontou.
Já na América Latina, disse o relator da OEA, os sistemas de
comunicação foram formados por famílias e, posteriormente, partilhados entre
aliados políticos dos distintos governos ao longo dos anos. “Esses são os casos
das grandes redes privadas no Brasil, no México e no Uruguai”, exemplificou.
“Os governos tiveram, em geral, muito pouco êxito em desmontar essa situação”,
completou. Segundo Lanza, esse processo explica um pouco o quadro atual das
comunicações na região.
Para Lanza, foram três os principais posicionamentos dos
governos mais recentemente diante do tema, com variações entre eles. O primeiro
posicionamento foi o de conformação. “Alguns governos pensaram: já estamos no
poder e os meios sempre foram oficialistas, desde sua gênese, passando pelas
ditaduras até hoje. Logo, eles continuarão oficialistas”, disse o relator.
Na segunda reação, argumentou, governos como Equador e
Venezuela decidiram partir para o enfrentamento – por vezes, disse, adotando instrumentos
que violaram a liberdade de expressão. Na terceira hipótese, casos em parte do
Uruguai e da Argentina, os Estados aplicaram uma variedade de instrumentos para
abordar o tema e dar uma outra perspectiva para as comunicações nas Américas,
com experiências interessantes que devem ser avaliadas.
“Em geral, os governos tiveram pouco ou nenhum êxito”,
completou Lanza, apontando a necessidade de a sociedade civil se organizar para
impulsionar o processo de democratização das comunicações no continente. Ele
exemplificou o caso das tentativas de regulação das comunicações na Argentina e
no Uruguai, em que todos os campos da sociedade civil – como os movimentos de
mulheres, o sindical e LGBT, por exemplo – se uniram para abordar a questão. “A
questão dos meios é uma questão de representação de todos os grupos”, lembrou
Lanza.
O relator da OEA lembrou que a Organização possui uma série
de instrumentos que podem ser utilizados. “Sucessivas decisões da OEA atestam
que o monopólio ou oligopólio das comunicações afeta a liberdade de expressão
e, portanto, os Estados têm que garantir o pluralismo e a diversidade dos
meios. E isso implica em ter regulação, em impor limites”, lembrou Lanza.
Um dos exemplos é a transição do sistema analógico para o
digital, que segundo a OEA não pode concentrar mais o setor de comunicações e
precisa incluir mais setores da sociedade civil e do poder público. Um dos
problemas em relação às decisões já tomadas no âmbito da OEA, lembrou, é que
muitas delas não são cumpridas pelos Estados. “Há espaço para que a sociedade
civil brasileira e o Estado brasileiro se reúnam na OEA para debater o tema”,
acrescentou. “Vamos seguir trabalhando no tema da concentração de meios, com o
objetivo de ampliar o pluralismo e garantir a liberdade de expressão. A porta
da relatoria [especial de Liberdade de Expressão] está aberta.”
‘Coronelismo eletrônico’
impede democratização da mídia no Brasil, diz professora
A professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Suzy dos
Santos, apresentou as bases que formam o que classificou de “coronelismo
eletrônico”. O coronelismo é uma estrutura complexa de poder que tem como
figura central o “coronel”, envolvendo práticas corruptas clientelistas e
assistencialistas. Santos explicou que o coronelismo eletrônico, por sua vez, é
uma forma de governança, em que o sistema brasileiro de comunicações, baseado
no compromisso recíproco entre o poder nacional e os poderes locais, forma uma
rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais,
entre os quais se destacam os proprietários dos meios de comunicação.
No início da formação deste sistema, explicou Santos, as
outorgas de rádio e TV foram distribuídas entre aliados do governo e
empresários simpatizantes ao poder, numa prática de clientelismo que, segundo
ela, permanece até hoje em todas as regiões do país – e não apenas nas regiões
Norte e Nordeste, como se costuma pensar. Ela destacou, por exemplo, que há um
“equilíbrio” nacional em relação à distribuição de deputados federais
proprietários de rádios e TVs pelo Brasil.
Apesar de a Bahia concentrar a maior quantidade deles, os
estados do Sudeste também possuem, destacou Santos, uma quantidade considerável
de repetidoras de TV e rádio e de deputados detentores de meios de comunicação.
“A mídia é um instrumento de uso privado de quem está no poder”, acrescentou a
professora da UFRJ. “O modelo de coronelismo eletrônico é uma barreira para a
democratização da mídia no Brasil.”
Santos explicou que, neste sistema, a televisão ainda possui
um papel central, com estrutura verticalizada das redes de TV que se estendem
aos jornais e rádios estaduais e municipais. “A TV aberta é um espaço
privilegiado de representação dos demais espaços, estigmatizando por exemplo a
mulher e apresentando a violência como solução, inclusive a violência contra
crianças”, lembrou, após mostrar alguns exemplos em vídeo. “Nessa
representação, o coronel nunca é um vilão”, destacou. “Não adianta discutir apenas
quanto poder tem uma rede de TV, mas também as representações que ela promove.”
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